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Amor e futebol unem povos na Copa dos Refugiados no Parque da Aclimação

 

 

Domingo de sol a pino desde as 10 horas da manhã. O zênite principal do dia que marcava 33°C eram os africanos que iriam disputar a peleja no Estádio Municipal Jack Marin, localizado no Parque da Aclimação, zona sul da cidade de São Paulo. O dia 2 de setembro de 2018 estava reservado para a final da Copa dos Refugiados, entre Níger e Nigéria.

A competição amadora que ocorre no país desde 2014, é um evento organizado pela ONG África do Coração, com apoio da ACNUR “Agência da ONU para Refugiados”, com o intuito de integrar socialmente os migrantes e refugiados que escolheram o Brasil como seu novo lar.

“Refugiados bem vindos, joguem com raça contra o racismo”. Esse era o principal grito de apoio dos torcedores que prestigiavam a partida na pequena e acanhada arquibancada do estádio municipal. Movimentos de torcida antifascista dos times Palmeiras, São Paulo e Corinthians se organizaram para defender suas pautas no evento, a fim de mostrar que futebol não é espaço para ódio e segregação, e sim, mobilização.

 Foto: Lucas Capeloci - Torcidas Antifascistas na Copa dos Refugiados
 

O ditado algumas vezes batido de que o futebol é mais que um jogo, se torna palpável quando questões sociais, econômicas e de origem são deixadas de lado. A final da edição de São Paulo 2018 que contou com o slogan “Não me julgue antes de me conhecer”, na qual o resultado menos importava, terminou com o placar de 2x2 no tempo normal, com a vitória do Níger por 4 a 3 nos pênaltis.

“Estamos em mais de vinte e três nacionalidades aqui. A gente conhece o que é ser refugiado e imigrante no Brasil. Nós temos vários projetos que ajudam a levantar a imagem dos refugiados imigrantes, fazer a integração, ajudar na formação, passar informações”, descreve o Vice-Presidente da ONG África do Coração e coordenador geral da Copa dos Refugiados, Abdulbaset Jarou, sobre o projeto.

Abdul é natural de Aleppo, e chegou ao Brasil em 2014. O sírio de 28 anos foi adotado pela professora brasileira Valdivia Oliveira, de 54 anos. Ele teve de deixar sua mãe e mais cinco irmãos no país que ainda está vivendo terríveis combates na guerra.

Jarou comenta com prazer a eficácia da ONG, que é a primeira organização formada por imigrantes refugiados no país . “Hoje a gente está fazendo muito sucesso, muito barulho, por essa diversidade cultural, várias nações, línguas, pensamentos, ideologias. Estamos nos unindo e graças a Deus estamos conquistando muita coisa”. 

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Vice Presidente ONG África do Coração - Abdulbaset Jarour
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A copa é organizada em três estados, além de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul recebem o projeto. O coordenador geral do campeonato destaca a função de quebrar o olhar preconceituoso e xenofóbico, levantando a imagem dos refugiados, além de fazer inclusão social e trabalhista. “Nós temos o maior projeto esportivo do mundo que une refugiados imigrantes”, comenta Abdulbaset. Nesta edição, o torneio contou com 16 equipes, são elas: Angola, Camarões, Coreia do Sul, Gambia, Guiné Bissau, Iraque, Líbano, Mali, Marrocos, Nigéria, Níger, República Democrática do Congo, Senegal, Síria, Togo e Venezuela.

O Vice-Presidente da África do Coração finaliza com a importância do futebol para tal ação entre povos. “O futebol é uma linguagem universal, une as raças, políticos, religiosos, uma linguagem que não precisa falar português; a nossa oportunidade de entrar no campo, fazer um gol e chamar a atenção, deixar o brasileiro bater uma palma. Duas coisas levam o coração humano, o amor e o futebol”.

Copa dos Refugiados - Abdulbaset Jarour
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Torcidas Antifascistas prestam apoio
Organização das bandeiras
Torcedores aguardam início da final
O aguardo da final debaixo de 33°C
Equipe da Nigéria após o hino
Os times posam para foto juntos
Equipes se cumprimentam
Troféu da Copa dos Refugiados

“O principal tabu da sociedade brasileira em falar sobre racismo é se assumir uma sociedade racista”, comenta o administrador de empresas.

 

 

 

Marcelo Medeiros Carvalho é o criador do ‘Observatório da Discriminação Racial no Futebol’, projeto que monitora e divulga relatórios sobre casos de racismo nos esportes, com foco no futebol. Idealizada em maio de 2014, a proposta surge após o administrador de empresas com MBA em Gestão Empresarial, pesquisar os desdobramentos de alguns casos recorrentes de racismo que aconteciam na época, como Márcio Chagas (árbitro), Tinga e Arouca (jogadores de Cruzeiro e Santos, respectivamente, na época), como leis, e o que envolvia a questão do racismo no futebol. Sem respostas, resolveu criar o observatório.

Sobre o tabu de se falar sobre o tema na sociedade brasileira, Marcelo cita e desabafa sobre os dados de uma pesquisa do Uol em 2015, em que  97% das pessoas reconheciam que o racismo existe, 89% disse que conhecia alguém racista, mas somente 3% das pessoas se dizia racista. “Então eu acho que o principal tabu da sociedade brasileira para falar sobre racismo é se assumir uma sociedade racista, as pessoas dizem que o racismo existe, que alguém é racista, mas que a própria pessoa não é racista. Então não se assumindo racista, é muito difícil debater o tema entre os não negros, sendo difícil procurar soluções sobre o racismo”, lamenta o diretor executivo do projeto.

Sobre democracia racial no Brasil, o pós-graduado em Gestão de Esportes, diz ser um mito, e que as pessoas negras, quando possuem a mesma qualificação de brancas, acabam sendo preteridas. Há também a questão de no futebol existir uma barreira ao negro de estar inserido em um contexto maior e além das quatro linhas. “O Roger Machado (técnico negro e ex treinador do Palmeiras) me disse que era casado com uma mulher branca porque a partir do momento que ele ascendeu socialmente, ele passou a conviver apenas com pessoas brancas e por isso ele é casado com uma. O que não deixa de ser verdade, a partir do momento que você começa a sair da base de uma pirâmide e ir pro topo, tem menos pessoas negras”. O Gaúcho e criador do site comenta que a mínima existência de negros em cargos executivos no futebol, é reflexo da sociedade, já que na mesma não enxergamos negros em tais cargos.

Marcelo Carvalho discute também a inexistência de pessoas negras na política de um time, por ser um ramo frequentado em sua maioria por pessoas conservadoras. Para mudar este cenário ele acredita que a principal ação deve ocorrer fora das cúpulas esportivas e dos clubes, partindo então de movimentos e coletivos que lutam contra os variados tipos de preconceito, formados por torcedores, buscando maior participação e inclusão neste esporte.

Marcelo Carvalo - Observatório
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Sobre as campanhas e ações que os clubes fazem em datas comemorativas, o diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, acredita ser mais uma “prestação de contas” para sociedade do que iniciativa própria, e que antigamente tais questões não eram colocadas em prática.

Ainda a respeito da inexistência de negros em cargos fora das 4 linhas, como técnico, dirigente, comentarista, ele afirma sobre a não continuidade do negro no esporte, que se tem uma visão de atletas negros serem “pé de obra” no futebol, que servem para jogar e dar títulos, mas depois disso não servem mais. “Se acredita pelo folclore que tem pouca capacidade, pouco interesse, mas na verdade o que tem mesmo é pouca oportunidade. Uma coisa que chamou atenção na Copa do Mundo (2018) foi a surpresa das pessoas em relação ao Grafite (ex jogador e agora comentarista do canal SporTV), ai eu questiono, por que surpresa né? Por ser negro ele surpreendeu as pessoas em falar bem, se colocar bem? Este é mais um ponto do racismo”.

Marcelo Carvalho finaliza o assunto dizendo sobre o combate ao racismo, como medidas para diminuição de tal prática. Ele argumenta novamente em existir apenas campanhas pontuais para diminuir este caso, como em datas comemorativas ou incidentes que ocorre com o clube. “É preciso fazer uma campanha o ano inteiro, que ela converse com o associado, com conselheiros, com a torcida em geral e organizada, para conscientizar que além do racismo ser crime, é um ato desumano”. Sendo necessário ir além, com punições em um primeiro momento e também trabalhar com a educação e conscientização desde a infância do ser humano.

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Marcelo Carvalho - Observatório
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Foto: Lucas Capeloci - Sede do Negritude FC localizada na COHAB I
 

Fundado na década de 80, o Negritude FC é símbolo de resistência e identidade negra no futebol de várzea

Formado em 10 de setembro de 1980, o time da zona leste  foi originado por jovens que frequentavam os bailes 'Black' na região e decidiram montar um time de futebol. Hoje, eles são responsáveis por uma das copas mais tradicionais da várzea de São Paulo – a Copa Negritude, que está em sua 19º edição.

A fim de conhecer um pouco mais sobre o expoente da cultura negra e do futebol amador de várzea, o Museu do Futebol junto ao Sesc São Paulo, organizaram uma expedição, durante o ‘III Simpósio Internacional de Estudos sobre o Futebol: Política, Diversidades e Intolerâncias’, até o campo do Negritude, na COHAB I, em Arthur Alvim.

O cheiro de pólvora emanava no ar ao chegar ao local. Os surdos tremiam a cada batida dos torcedores que faziam a festa do lado de fora do campo. Era mais um jogo da fase eliminatória na Copa Negritude SportAção 2018. Um dos confrontos do dia era entre o Pionner F.C da Vila Guacuri e o Batti Fácil da Vila Nhocuné.

Foto: Lucas Capeloci - A fumaça toma conta na entrada dos jogadores em campo 

Foto: Lucas Capeloci - Prática "lambe-lambe" na sede do Negritude 

Mestre em Serviço Social pela PUC-SP, Roberta da Silva finalizou reiterando a identidade negra do time, porém sem vínculo político. Além disso, destaca a importância de um time de várzea, no quesito do direito à cidade, como um espaço público, e toda a autogestão que envolve tal organização: “Na várzea o jogo não é o mais importante. É um espaço de sociabilidade”.

O jogo ocorria na sede do Negritude, time formado por seis jovens (5 homens e 1 mulher) que não reivindica ser um grupo político, mas que segundo Roberta Silva, guia da expedição, a temática repercutia na época: “Porque se existe um grupo, na década de 80, de jovens negros, que utilizam uma identidade negra, de alguma maneira isso é uma afronta, a gente ainda estava na ditadura. Mas não tem na fala deles algo necessariamente político”.

Algo singular também está no registro do nome do time, já que as organizações, como a Federação Paulista de Futebol, não aceitava o nome Negritude, acreditando que este poderia gerar conflitos raciais, acarretando dificuldades na legalização do clube, que teve de registrar seu nome como “Alvinegro Futebol Clube”. Porém, mesmo que custasse a ausência de possíveis patrocínios e todo tipo de preconceito com o nome Negritude FC, eles usavam tal nome, como uma honra para estas pessoas.

Roberta Pereira da Silva, blogueira no site "A bola que pariu", era quem contava as histórias do time. A santista pesquisou a organização do clube de várzea em seu mestrado -  “Campo de Terra, Campo da Vida: Interfaces das expressões cotidianas, as alternativas de resistência popular e o Negritude FC”.

Junto a Roberta estava presente na expedição o artista visual e designer Cassimano, que tem um projeto de intervenção de ‘lambe-lambe “Galeria Fotográfica de Rua” na cidade, sobretudo nos campos de futebol de várzea de São Paulo. Ele inclusive praticou a colagem em uma das portas do Negritude FC com os visitantes.

Roberta da SIlva - Pesquisadora do Negritude FC
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Futebol para todos

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