
LGBT´s buscam seu espaço no campo mais homofóbico do esporte




Além de coletivos e movimentos, é cada vez mais comum encontrarmos times LGBTs nas quadras pelo Brasil. O crescente projeto alia a união da classe para a prática do esporte como diversão, ao combate da homofobia na sociedade e no futebol. Existe hoje inclusive a criação de organizações e campeonatos, como a Ligay Nacional de Futebol e a Taça Hornet da Diversidade. Os gays, lésbicas, transgêneros, transexuais, bissexuais, se espalham por diversos times, como, Beescats Soccer Boys, Unicorns, Meninos Bons de Bola, Natus FC, entre outros.
Lucas Capeloci: Você acha que algum dia veremos gays jogando futebol profissional sem medo de assumir a orientação sexual?
Laura Bimbato: Acho que sim. Mas vai demorar muito. O avanço ainda é a passos muito curtos. As Olimpíadas RIO 2016 tiveram recorde de atletas assumidos em esportes como Rugby, Hockey e futebol feminino, mas foram apenas 44 em um universo de mais de 11 mil. Apesar de não ser factível, mostra o avanço em algumas categorias esportivas. Acredito que esta tendência vá se espalhar para outros esportes, sendo o futebol masculino um dos últimos, pois isto depende de uma teia de mudanças de valores, comportamentos e políticas que permeiam o “fazer futebol”. Os atores do futebol (clubes, dirigentes, Federações, jogadores, comissões, torcidas) ainda são muito conservadores. Por isso que é importante a ocupação dos espaços por movimentos e pessoas que estejam comprometidos com a construção de um futebol mais inclusivo.
Como você, que participa de um movimento que também luta contra homofobia, vê o grito de “bicha” nos estádios?
É umas das tristes heranças da Copa do Mundo no Brasil. A Copa fez parte do movimento que deu força a movimentos conservadores no nosso país e que estão aí até agora. . E isso dialoga bastante com o público que habita as novas Arenas. O perfil do novo torcedor brasileiro é extremamente conservador. Neste sentido, a criação e fortalecimento de Coletivos e movimentos progressistas são extremamente importantes para disputar estes espaços nas arquibancadas e dentro dos clubes.

Redes sociais Coletivo Democracia Corinthiana
O que pode ser feito em curto prazo para acabar com o preconceito nos estádios?
O que os Coletivos e movimentos tentam fazer hoje é abrir canais de comunicação com clubes e torcida (organizada ou não) para iniciar debates sobre a questão LGBT (mas também sobre machismo e racismo). Todavia, ainda estamos na fase de “reconhecimento do gramado”, observando quais caminhos são mais fáceis, onde as aberturas são maiores e qual caminho é melhor para disputar o campo. A grande dificuldade é que, principalmente os clubes, são feudos extremamente fechados. O Coletivo Democracia Corinthiana não participou, enquanto movimento, das últimas eleições do Corinthians, mas alguns de seus membros estavam nas chapas concorrentes e o que nós sabemos é que a concorrência é desleal frente aos grupos que lá já estão alojados. Essa seria uma solução a curto prazo que poderia dar novos ares aos clubes: a eleição de membros ou chapas comprometidos com pautas progressistas para os conselhos, mas na prática o que nós vemos é a reprodução das mesmas pessoas e mesmos grupos ocupando os espaços decisórios.
Como você enxerga o tratamento da mídia neste assunto? E quando você é entrevistada sobre o movimento, por exemplo, existe algo que você gostaria de responder e dizer, mas que não é perguntado? O que seria?
A mídia hegemônica (Globo, Band, Fox, ESPN) tem um cuidado maior ao tratar da questão, às vezes até criticando publicamente os atos de homofobia no futebol masculino, mas ainda é muito covarde para realmente pautar questões mais controversas. A crítica ainda é muito pontual e momentânea. Além disso, é notório que mesmo se questionados, os atores do futebol dificilmente também se posicionam por questões de contrato, de imagem, de patrocinadores e isso serve pra qualquer pauta mais “polêmica”. Sobre as entrevistas, sempre tem alguma questão nova, mas sinto que pouco se fala ainda da influência dos discursos que surgiram na Copa do Mundo de 2014 e as apropriações que foram feitas dos símbolos futebolísticos para o avanço reacionário no Brasil.
Ainda sobre a homofobia dentro dos estádios, questionei William de Lucca sobre a atuação e projetos do coletivo Palmeiras Livre, de que forma agem nos meios físicos e quais os obstáculos de sair do meio virtual. O jornalista relata a dificuldade da interação nos meios físicos, como, por exemplo, com a maior torcida organizada do clube, a Mancha Alviverde, devido a existência de violência e repressão. Alvaro Campos e Alê Braga (roteirista e autor do livro) também complementam sobre a cobrança e agressividade em que o torcedor age com seus rivais e atletas do próprio time, seja por mal rendimento ou conduta fora de campo.
Em meio a um cenário infértil para diversidade no futebol, encontramos alguns grupos que lutam diariamente contra as principais mazelas sociais no futebol, como machismo e homofobia . São os chamados movimentos ou coletivos, como Mulheres de Arquibancada, Palmeiras Livre, Democracia Corinthiana, entre outros.
Laura Bimbato. Socialista, feminista, lésbica e alvinegra, a integrante do coletivo Democracia Corinthiana conheceu o movimento durante os primeiros atos do movimento "Não Vai ter golpe" na Avenida Paulista. Laura, de 28 anos, defendeu em seu TCC o tema "O futebol e a política de Estado brasileira: apropriações e resistências durante a Ditadura Militar (1964-1985). Formada em Relações Internacionais pela UNESP/Marília, conta que foi um sonho unir a teoria da universidade com a prática da militância. Também responde algumas perguntas sobre a questão do público LGBT no futebol brasileiro e como a mídia aborda o assunto. Confira:
Outras críticas que o torcedor recebeu e rebateu foi o fato de tentar se promover em cima do Palmeiras: “a única coisa que eu ganhei com isso foram as 37 ameaças de morte, algumas ameaças de agressão, passei 3 jogos sem ir ao estádio por orientação da polícia". William também comenta a invisibilidade do público LGBT dentro dos estádios, local esse ainda bem machista em nosso país.
No bate papo e apresentação da obra, na Livraria da Vila, em Pinheiros, juntamente a William de Lucca, outros convidados e autores do livro, como Alvaro Campos, escritor de quadrinhos, teatro, TV e cinema, comentou sobre o surgimento da ideia de desenvolver tal livro e sua representatividade, que por mais fictícia que seja a história, é um conjunto de fatos reais retrabalhadas na dramaturgia. Ele relata o "tom de heroísmo" que é de um homossexual conviver em um ambiente "totalmente medieval" (o futebol). “Em um universo que é o carnaval da heteronormatividade”, completa.
O autor ainda questiona o porquê de o esporte bretão refletir o que é atrasado, como a homofobia, misoginia, revelando até certas vezes uma certa "suspensão da moral", característico do povo brasileiro, como se o futebol causasse uma cegueira na sociedade.
Espanha, Holanda, Brasil, México, Argentina e Colômbia. Essas são as camisas das respectivas seleções que, com suas cores perfiladas lado a lado, formavam a bandeira LGBT. Alguns jovens que vestiam estes uniformes e andavam pelas ruas de Moscou, fizeram parte de um protesto "velado" organizado pela Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Trans e Bissexuais (FELGBT) da Espanha, durante a Copa do Mundo de 2018 na Rússia. Veja o vídeo de divulgação da FELGBT
Infelizmente tal dificuldade de expressão também é enfrentada no Brasil. Quinta feira, 8 de março de 2018. O Palmeiras enfrentava o rival São Paulo em sua arena. Torcida única para mais de 34 mil pessoas. Dentre elas, William de Lucca. Jornalista, socialista, ativista LGBT, vegetariano, ateu e palmeirense. É assim que se descreve o torcedor em seu twitter, rede social em que postou durante o jogo, seu repúdio a um cântico que a torcida de seu time entoava contra o adversário. “A torcida do Palmeiras, em sua homofobia típica, canta que ‘todo viado nessa terra é tricolor’. Parece que encontrei uma exceção à regra: eu mesmo, viado e palmeirense, e que cola no estádio em TODOS os jogos”, publicou no perfil pessoal.
William, convidado a participar do lançamento do livro “O outro lado da bola”, obra fictícia que conta através de quadrinhos a história de um jogador que se declara homossexual diante das câmeras, falou um pouco de sua experiência depois do caso.
Lucca comentou sobre a repercussão que a imprensa esportiva trouxe após um torcedor criticar a postura da própria torcida. “Eu não passo pano pra ninguém, pra torcida do palmeiras e para nenhuma outra, contra machismo, racismo, homofobia, que são as pautas que a gente defende lá no Palmeiras Livre, um coletivo de torcedores progressistas do Palmeiras”, disse em forma de desabafo.
O jornalista comentou que foi alvo de críticas pelo fato de no passado em alguns de seus tweets comentar a palavra ‘bambi’, termo pejorativo a uma torcida rival (a mesma dos cânticos homofóbicos). Porém, o hoje ativista LGBT declara que pode sim defender a causa atualmente, e que qualquer pessoa pode se desconstruir de tais hábitos preconceituosos.
Foto: Lucas Capeloci - Natus FC posa para foto em uma das quadras no Sport Gaúcho Futebol Society
Futebol , diversidade e união
“Natus vem do latim ‘nascido’, as pessoas podem ser o que elas nascem ou não, podendo se transformar e ser aquilo que verdadeiramente acreditam”, comenta o arquiteto Guilherme Fernandes, um dos jogadores do Natus F.C. O nome faz alusão ao primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que todos nascem iguais em dignidade e direitos.
Por um aplicativo de relacionamento, o grupo foi formado com o intuito de unir os que se sentissem excluídos para a prática desse esporte. Inicialmente idealizado apenas para gays, o time foi com o tempo agregando as demais letras do público LGBT.
Ele ainda lamenta e revela alguns motivos do preconceito ainda permear grande parte da sociedade: “Acho que o preconceito começa no seio familiar. A gente vem de uma sociedade que é patriarcal e que prevalece o homem como estrutura da família. Muitas vezes, como aconteceu comigo, é dentro de casa que se sofre os primeiros preconceitos”.
Há cerca de 2 anos no time, Alexandre Antoniazzi, professor de língua estrangeira, fala sobre o seu processo de entrada no grupo e no esporte. “Eu nunca tinha jogado futebol antes e o time me acolheu bastante. Mesmo tendo a proposta LGBT eu achei que era necessário saber jogar bem, mas não é. No Natus a ideia é que a comunidade LGBT possa praticar esporte, em especial o futebol. Eu nunca pratiquei exatamente por isso, por ser gay você é meio que tirado desse mundo”, afirma o professor de língua estrangeira.
Alexandre enxerga o futebol, mesmo sendo um esporte culturalmente machista, ainda uma importante ferramenta de inclusão, como a própria formação do Natus: “É formidável. A gente acaba ficando junto, criando uma pequena comunidade e traz para fazer algo social, alguém que está afastado. Uma iniciativa como do Natus e de outros times, traz para a sociedade muita gente marginalizada, que fica sozinha”.
“O time Natus FC surgiu em 23 de maio de 2015 com a proposta de combater todo tipo de preconceito e garantir um espaço inclusivo para pessoas LGBT e amigos que gostam de jogar futebol”. É assim que a equipe descreve em seu cartão que ilustra a bandeira do time com suas redes sociais, a fim de convidar novos integrantes. O time de futebol LGBT se organiza todo sábado perto da estação de metrô Barra Funda, zona oeste de São Paulo, no ‘Sport Gaúcho Futebol Society Unidade Pompéia’, das 12:30 às 14:30.
Confira um pouco dos integrantes e da organização do Natus:

Redes sociais Natus FC